terça-feira, 10 de março de 2009

História dos óculos em minha vida ou pequena autobiografia tematizada em óculos.

Eu não era uma criança muito bonita. Ainda mais pra uma menininha. Não gostava de me arrumar, mamãe não insistia. Como até os oito anos meninas tem tanto peito quanto meninos (quer dizer, se os frangos deixarem), não havia problemas em andar sem camisa. E eu andava. Eu era um menininho, feinho, magricela e esquisito. A única coisa farta em meu corpo eram os olhinhos – ou olhões – de peixe morto. As fotos são assustadoras. Mas os olhões não ficariam tanto tempo descobertos.
Ao entrar na alfabetização (agora no educandário Engenho de Castro Alves, e não mais na cor de rosa RIMEM, uma bizarra variação de He-Man) aos quatro anos de idade, comecei a sentir dificuldades. Tinha dificuldade em fazer F’s e E’se Y’s. Fazia o F com umas cinco “perninhas”, pelo menos, e o E deitado, como um banquinho, também cheio de pernas, e os Y’s com a perna virada pro lado errado. Mas como na alfabetização ninguém usa muito Y, o problema maior era com os EF’s (confesso ter a dificuldade com o Y até hoje).  Mais ou menos assim:
Também estava tendo dificuldade em enxergar o quadro, e como sempre pertenci à turma do fundão... Óculos. Mamãe me levou à doutora Avelina (doutora avelã), e descobri que tinha miopia e astigmatismo. Que legal, vou usar óculos! E lá fui eu a ótica comprar meu primeiro óculos. Era de acetato, transparente, cheio de florzinhas rosa. Cheguei abafando na escola (eu sempre achava que tava abafando, não sei da onde tirava tanta auto-estima). Era uma combinação linda, uns cabelos ralos e curtos desgrenhados, uns olhos enormes praquele rosto magro, agora disfarçados por um óculos fundo de garrafa, “jóias” de fabricação própria (colar de rodinhas de cortina, pulseiras de retalho, ou qualquer porcaria enfiável no pescoço e no braço e ACREDITE: cinto por cima da farda, que podia ser mesmo cinto, ou uma passadeira de cabelo.) 
Tipo, eu realmente me achava o ó do borogodó, linda e cool. Mas eu não era linda e cool. Olhando as poucas fotos dessa época, vejo porque Isadora, e não eu, sempre vencia os concursos de beleza, porque eu nunca fui à rainha da primavera, do milho, da paçoca, da natureza, sendo que só tinham umas quatro meninas na sala. Pelo menos eu ganhei o livro dos arrozes sem casa (a história de arrozes e feijões que não tinham onde morar, aí a menina loira abria a boca e eles iam morar no estômago dela, puxa vida era fantástico! “Maria, Maria, não temos onde morar, abra a boca bem aberta para que possamos entrar”.) no concurso de texto e outro chato do menino que vendia limões (crianças não gostam de drama social) por nota. Pelo menos eu tive um namoradinho, chamado Léo, não era uma total desesperança. 
Continuei achando que abafava até pelo menos a 6ª série. Tive essa idéia concretizada em minha cabeça por ter ganhado em todos os anos a eleição de líder da sala (como se isso significasse que eu era linda e cool, e qual a glória em organizar um projeto?). Mas eu nunca ficava na frente dos top 10 da sala, era colocação oito, no máximo, e mesmo assim só quando os meninos somavam personalidade. Eu lembro bem disso, era personalidade 0-10, beleza 0- 10, soma e divide por dois. Não que eu ligasse pra isso. De qualquer forma, eles sempre eram apaixonados pelas meninas chatas que sentavam na frente. E elas nem falavam com eles. Bem feito!
  Fui crescendo e ficando ‘mocinha’. A partir daí o óculos começou a ser um estorvo. Eu os odiava. Odiava os malditos óculos. Odiava meus olhos graças ao irmão de minha melhor amiga, que me chamava de esquilo da era do gelo. Isso era deprimente pra uma garota na puberdade, principalmente se ela é apaixonada pelo ofensor. Mas odiava mais ainda o fato de ter que usar óculos. 
-Mãe, me deixa usar lentes!
- Não. 
Eu queria usar lentes. Era meu sonho.  Mas era complicado, lentes para astigmatismo do meu grau eram rígidas e desconfortáveis. Comecei a tirar os óculos para fotos, para cinemas com a galera, shows, forrós da escola, projetos, apresentações de teatro e apresentações. 
Passados mais alguns anos, continuei a não gostar deles, mas já estava acostumada. Também tinha perdido um pouco mais da minha esquisitice. Eu até usava o short da escola coladinho. Perdi a super-auto-estima, era a era do realismo. Também perdi a birra com os óculos. A gente se conforma, né, fazer o que. Mas continuava a tirá-los em ocasiões especiais (casamentos, formaturas, apresentações, shows, logicamente não no cinema). 
Até que chega 2009. Eu até gosto dos meus óculos. Não são tão ruins. Pelo menos meu namorado gosta deles. Mas atrapalham, em certas ocasiões. Então fui ao oftalmologista. Lentes gelatinosas já estão disponíveis para meu grau. Fiz exames. E pimba! Dentro de 15 dias receberei meu kit com seis pares de lentes para usar por um ano. 
É uma passagem de fase da vida. Eu nem mesmo me lembro da época em que não usava óculos. Não me lembro de quando enxerguei direito num evento. De quando, se tivesse ido de óculos, não tive que tira-lo momentaneamente e segura-lo para bater cabeça num show. Quando sempre que me desenhavam eu era a menina de óculos, quando se referiam assim a mim. “aquela menina, que usa óculos”. 
Agora, no more. Lente lente lente lente. Renu Renu Renu. Felicidade. Praticidade, comodidade, estética. Chuva não mais deixará pinguinhos em meu campo visual. Minha visão não ficará mais embaçada quando eu sair de um lugar com ar-condicionado para temperatura ambiente, nem quando eu abrir uma panela que expelir vapor. Meus olhos não serão mais oxigenados como antes. É um passo importante na minha vida. É realmente fantástico. É bonito. É baiano. Poderei ter milhões de óculos escuros, e usar o que eu quiser por quanto tempo quiser com a curvatura que quiser, e sem precisa pagar $500 por cada um. 
Infelizmente creio que essa felicidade deve-se mais à realização de um antigo desejo, do que de um desejo atual. Mas, WHO cares? Talvez eu não fosse a mesma pessoa que sou hoje se não tivesse passado todos esses anos de óculos. Com certeza André Matos não estaria semi-rindo na foto que tirei com ele numa tarde de autógrafos se não fosse por isso. É o começo de uma nova era. Meus olhões ficarão expostos mais uma vez.

7 comentários:

Unknown disse...

ela tinha dislexia tb neh?

Anônimo disse...

só li as primeiras 20 linhas (Y)
mas essas 20 linhas ficaram massa. :D

Anônimo disse...

Oculosamente genial, heh 8)

Dio disse...

hioaeioaHOIUEHAuio muito bom! e leitura foi agradável e eu não me sinto como se quisesse meus minutos de volta ^^


e tipo...tem coisas de tempos passados que são mesmo traumatizantes, e quando a gente arranja um jeito de se livrar, vê que elas já não eram mais tão insuportáveis ou estavam quase esquecidas. mas mesmo assim dá mpo gostinho de vitória *-* huauauhuahu não sei quanto a você, mas eu gosto de me sentir "destraumatizando" as coisas, como se isso fosse totalmente possível xD

Anônimo disse...

muuuito bom MESMO! :D

Luciano... disse...

tb... usava oculos e vc acompanhou minha revolta com os meus... quando tinha 10 anos eu simplismente ñ usava.. e hj, mesmo com minha miopia piorada eu Ñ uso eles... a + de 2 anos...

Lua disse...

Eu adoro os pingos de chuva nas lentes do meu óculos, acho estranhamente poético.