segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Aspirações

Desde pequeno seu sonho era ser porteiro. E era um sonho específico, não podia ser porteiro de escola, de empresa, de centro médico, era porteiro de prédio residencial, de 17 a 22 andares. Sonhava em passar o dia sentado no sagrado local, seu por direito, guarita ou recepção, munido de uma TV preto e branca 14” e do interfone matriz, com todos aquele botões e luzes. Decoraria de todos os nomes, ao chegar visita, sabendo o nome do morador, informaria o apartamento. Onde já se viu, visita decorar o apartamento do visitado? A visita vem visitar o morador, não o número, e seria sua função como porteiro saber de todos o nome e o apartamento, e fazer a associação sempre que necessário, pois seria um bom porteiro. Daria bom dia, boa tarde, e boa noite, ajudaria as senhoras a colocar as compras no carrinho, seguraria a porta do elevador. Falaria abububabibabá com os bebezinhos, brincaria com os cachorros (e ficaria de olho em onde supririam suas necessidades fisiológicas) flertaria com as domésticas e babás, tomaria partido no baba dos garotos. Olharia os carros para que não fossem maculados nas brincadeiras das crianças, cochilaria quando o movimento fosse pouco, ouviria o jogo no radinho de pilha nos turnos de final de semana, fofocaria aos respectivos pais as safadezas de seus filhos adolescentes na escada de serviço. puxaria o saco do síndico e falaria mal dele pelas costas com o zelador. Tudo isso e mais faria, e faria bem feito, pois seria o melhor porteiro de todos.
Entrou na puberdade com esse pensamento imutável e começaram a crescer seus primeiros fios de barba. De todas suas mudanças corporais esta era a mais importante e a mais esperada, pois através dela conseguiria a ferramenta mais necessária para torná-lo um porteiro de verdade: o bigode de porteiro. A princípio sua barba era rala e falha, havia uma penugem irregular acima dos lábios. Depois um pouco do princípio a rala barba engrossou, mas continuou falha. mas no final tudo dá certo, assim esperava. finda sua adolescência, continuava ele com a barba falha. Seu bigode não era uniforme, não se conectava. Era farto de um lado, farto de outro, e no meio o espaço de um dedo indicador permanecia desmatado. Aos 21 anos e sem bigode de porteiro, as esperanças acabaram e ele se resignou. Restava-lhe apenas ser cobrador de ônibus.

9 comentários:

(Lua* disse...

Lembrei disso: http://cinemacultura.blogspot.com/2010/11/ultima-gargalhada-1924.html

Por sinal, eis um blog de cinema muito bom :D

Raquel Bernabó disse...

eu sou sua fã vei

Equipe disse...

O melhor cobrador de todos.

Rafiki Papio disse...

Que coisa! Assim somos levados a pensar na vida.

Alê Carvalho disse...

5 minhocas.

Paulinha disse...

que lindo... ;)

Rach disse...

Fiquei triste agora... D: Pobrezinho... ;-;'

Rafiki Papio disse...

O layout ficou massa.

Macabeia disse...

Trágico.
Chorei no final.
Juro!