sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Dragão Azul Inquilino (autobiografico)

Era uma vez um dragão azul que vivia dentro do estômago de uma garota. Nem sempre esteve lá, apareceu quando sua hospedeira tinha por volta dos 5 anos de idade. Vagava no mundo quando algo lhe chamou a atenção – amígdalas extremamente suculentas sobre uma bandeja de aço inox, recentemente retiradas de uma pequenina garganta. Deliciou-se com elas e resolveu ir em busca de mais adentrando o mucoso túnel de onde elas tinham saído. Naturalmente não encontrou nenhuma, e movimentos peristálticos o conduziram até uma quente e agradável câmara que cheirava a comida. Resolveu se instalar permanentemente.

Devido a esse acontecimento, a criança que não gostava de comer passou a ser uma consumidora voraz de alimento, fato que deixava sua mãe e sua avó exultantes. Atribuíram o fato à cirurgia de adenóide a qual a criança foi submetida (mesma ocasião onde suas amígdalas foram retiradas), não chegando nem perto do real motivo. O dragão azul sentia-se muito bem instalado, a acomodação era confortável e era alimentado todas as vezes que desejava. Às vezes seu pedido não era prontamente atendido, e como nunca fora um dragão paciente, rugia em protesto, e insistia veementemente até ter sua vontade realizada. Para a garota o inquilinismo não era desconfortável, pois não abrigava um dragão egoísta, e este sempre lhe deixava o necessário para seu sustento e satisfação.

De princípio ele era, naturalmente, um dragão filhote. Chegou a sua plena estrutura física aos 8 anos de idade, tendo a garota então 13, e era necessário muita comida para alimentar um jovem e vistoso dragão azul. Comentários de toda sorte relacionando estrutura física com quantidade de alimento ingerido pela garota foram feitos, sendo o mais freqüente deles o comum “não engorda de ruim”. O comentário era estúpido, claro que ela não era uma má garota! Mas a estupidez deve-se a ignorância dos homens, que nada sabem da existência dos dragões inquilinos e tem por mania criar explicações para coisas que não compreendem, para não admitir que simplesmente desconhecem o motivo.

Hoje a garota beira as suas duas décadas de vida, e exatamente agora, às 11:57 da manhã, o dragão ruge aquecido em seu estômago.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Ópera

Ela queria ir a um show internacional cujo ingresso não havia conseguido comprar por não ter tido tempo de dormir na fila no dia anterior ao início das vendas. Uma amiga informou que uma rádio estava sorteando um par de ingressos, para concorrer bastava se cadastrar no site. “Cadastre-se aqui e concorra semanalmente a prêmios”. Ela se cadastrou. Não ganhou o par de ingressos para o show naquela semana, mas foi sorteada na semana seguinte, ganhando um par de ingressos para uma ópera.

Tentou vender os ingressos  mas ninguém no seu círculo social quis comprar. Chegou o dia em que a ópera se apresentaria e ela ainda estava com os eles. Resolveu chegar antes do espetáculo e tentar vender na porta do teatro. Foi mal sucedida em sua empreitada, as pessoas (muito arrumadas) que iam assistir já haviam garantido seus ingressos há meses. Um segurança lhe alertou que era proibida a presença de cambistas. Então foi por essa sucessão de acontecimentos que ela, de short jeans, camiseta e um ingresso sobrando no bolso esquerdo entrou no teatro para ver sua primeira ópera.

Sentou-se entre duas cadeiras – a da esquerda,vazia, pertencia ao ingresso em seu bolso, a da direita um homem, esperando um par que não viria. O teatro estava frio. Soaram as sirenes, as luzes foram apagadas, e então começou.

Ela assistiu atentamente, maravilhada com a história, com a música, com a interpretação, com as vozes, a orquestra. Sentiu-se profundamente tocada pela beleza do espetáculo.

E ele assistiu nela o impacto causado pela arte, e achou belo. E no ápice, quando ela levou os dedos aos lábios, emocionada, ele segurou sua mão fria, inseguro de quais seriam as conseqüências desse ato invasivo. Ela não o olhou, mas retribuiu o gesto, até as cortinas se fecharem.